Futilidades
Ela passava dos 70, ele dos 80. Depois do café, se não estivesse chovendo, desciam da cobertura para uma caminhada pelo calçadão. Ela, passo firme, ia à frente: loira, maquiagem leve, sem rugas nem expressão. Pela coleira, levava Rick: um poodle toy branquíssimo, limpíssimo, cheirosíssimo, coquetíssimo. A uma pequena distância, que aumentava gradativamente, valendo-se do auxílio de uma bengala, seguia o marido: cabelos branquíssimos, acabadíssimo. Naquela manhã meio embaçada, completado o trajeto rotineiro, com Rick ao colo, ela atravessou a rua e retornou ao apartamento, deixando a porta encostada para que o marido entrasse sem a incomodar. Subiram para o terraço. Ela se acomodou na espreguiçadeira e abriu a revista semanal de futilidades, enquanto o cãozinho se distraía entre bolinhas e mordedores. Entediada, cochilou. Despertou, assustada, com o telefone tocando insistentemente. Era do hospital público para onde seu marido havia sido removido em virtude de um atropelamento. O estado dele inspirava cuidados. Necessitavam, com urgência, da presença de um familiar. Afagando o cãozinho, a mulher desligou o telefone e voltou para a espreguiçadeira. No livro de registro de comunicações do hospital, a seguinte anotação: família comunicada; esposa aguarda a chegada da acompanhante do Rick (neto?). Rosane Coelho
Enviado por Rosane Coelho em 18/09/2005
Alterado em 28/12/2005 |