12/10/2007 11h22
MENINO DE RUA: O SOL
* José Alberto Costa *
Aos poucos acordava daquele pesadelo para outra vida de horror. Sentou-se e reparou a movimentação de carros e pessoas que passavam ao largo. Pôs a mão dentro do calção tamanho grande, que o deixava perdido na sua magreza e retirou o café da manhã, que fora o jantar e o almoço do dia anterior – cola. Enquanto cheirava, afagava os cabelos castanhos sujos, limpava as remelas da noite sombria e tornava a afagá-los. Tomado o café, cruzou a rua larga, despreocupado com o vai e vem dos carros. Braços bem abertos, pernas em compassos diferente do resto do corpo, arrastava-se para o outro lado da cidade, o descampado da cidade. Ainda segurava no beiço a garrafa de cola. Parecia um magro ianomâmi pós-moderno, com sua boca esticada e pedaço de graveto enfiado no lábio inferior. Um verdadeiro curumim perdido na floresta de pedra e asfalto. Parecia saber pra onde ir. Parecia procurar um deus. Mas que deus queria achá-lo. Passou a noite dando bobeira debaixo da velha marquise e ele não o encontrou. Mas parecia procurar um deus. Olhava para o lado, pros pés, pras mãos, pros outros, por entre os prédios, e nada, nadinha de nada. E continuava sua busca. Por certo não saberia explicar esse deus, essa fonte de inspiração para seu delírio de início de tarde. Mais a frente tentava equilibrar a garrafinha de cola na cabeça. Agora parecia uma indiazinha que havia chegado na aldeia depois de apanhar água no igarapé. Continuava caminhando, olhando a tudo e a todos. Não falava, não balbuciava nada. Parecia tomar decisões certas, seguir os caminhos mais certos, os horizontes mais firmes. Transformara-se num grande cacique, sábio na chefia de si mesmo. Atento aos momentos de perigo, um guerreiro concreto, pronto para o infortúnio, pronto e senhor de si. E assim percorria cada ponto da cidade numa mutação veloz. Parecia crescer, e mais veloz. Parecia esticar, e cada vez mais veloz. Ficava branco de medo, azul de fome, vermelho de raiva e as mutações continuavam cada vez e mais veloz. Olhando todo o percurso desenhado nas diversas ruas por onde passou, aquela pobre criança havia assimilado a vida dele e de todos os outros que passaram por ele em cada estágio de sua mutação. Seus índios, de diversas aldeias e de diversas raças, desaceleravam próximo ao ponto final. Tinha uma mutação a mais. Mais velha, mais sábia e curandeira. Nosso pequeno rebento havia se transformado em pajé e percorrera toda a cidade para abraçar o deus que descobriu nunca lhe abandonara – o sol. E como em ritual de pajelança abraçou-o amavelmente, elevou as mãos aos céus se cobrindo d'ouro dos raios do sol e tornou a dormir, feliz ao relento. Publicado por Rosane Coelho em 12/10/2007 às 11h22
10/05/2007 00h03
OMELETE DE AMORAS
(Walter Benjamin)
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01/04/2007 14h11
CARA ESTRANHO
(Marcelo Camelo)
Olha só, que cara estranho que chegou Parece não achar lugar no corpo em que Deus lhe encarnou Tropeça a cada quarteirão não mede a força que já tem exibe à frente o coração que não divide com ninguém Tem tudo sempre às suas mãos mas leva a cruz um pouco além talhando feito um artesão a imagem de um rapaz de bem Olha ali quem está pedindo aprovação Não sabe nem pra onde ir se alguém não aponta a direção Periga nunca se encontrar Será que ele vai perceber que foge sempre do lugar deixando o ódio se esconder Talvez se nunca mais tentar viver o cara da TV que vence a briga sem suar e ganha aplausos sem querer Faz parte desse jogo dizer ao mundo todo que só conhece o seu quinhão ruim É simples desse jeito quando se encolhe o peito e finge não haver competição É a solução de quem não quer perder aquilo que já tem e fecha a mão pro que há de vir... Salve Los Hermanos!!!! Quantos de nós somos assim: desajeitados, sem encaixe nas exigências do outro e de nós mesmos... Quem é você? Quem sou eu? Quem somos nós? Somos o que pensamos ser ou somos o que os outros percebem? Somos a soma de nossas escolhas ou somos o produto de escolhas alheias? Somos para nós ou somos para o outro? Traçamos nossos caminhos ou trilhamos caminhos indicados por outros? Quem dita a minha direção: eu, nós ou eles? Como encontrar o que não sabemos ao certo porquê e para quê buscamos? Somos caras estranhos na tentativa de equilíbrio sobre a linha imaginária traçada por mãos alheias. Precisamos abrir mão desses caminhos já trilhados... Precisamos desconstruir o conhecido, despencar no desequilíbrio do caos, em busca da re_construção do ser autêntico: meu, nosso e deles... Publicado por Rosane Coelho em 01/04/2007 às 14h11
23/03/2007 18h31
DISSIMULADA
(Nédier Müller)
bordo paetês em fantasia... cubro minhas dores, meus calores e meu cio... meus tremores, meus temores, meu vazio... Versos da amiga Nédier sobre a capacidade feminina de dissimular para conciliar, evitando enfrentamentos: amor_tecendo... Publicado por Rosane Coelho em 23/03/2007 às 18h31
07/02/2007 20h33
O GRITO
(Martha Medeiros)
-Não sei o que está acontecendo comigo, diz a paciente para o psiquiatra. Ela sabe. -Não sei se gosto mesmo da minha namorada, diz um amigo pra outro. Ele sabe. - Não sei se quero continuar com a vida que tenho.Pensamos em silêncio. Sabemos sim. Sabemos tudo o que sentimos porque algo dentro de nós grita. Tentamos abafar esse grito com conversas tolas, elucubrações, esoterismo, leituras dinâmicas, namoros virtuais, mas não importa o método que iremos utilizar para procurar uma verdade que se encaixe nos nossos planos: será infrutífero. A verdade já está dentro, a verdade se impõe, fala mais alto que nós, ela grita. Sabemos se amamos ou não alguém, mesmo que esteja escrito que é um amor que não serve, que nos rejeita, um amor que não vai resultar em nada. Costumamos desviar esse amor para outro amor, um amor aceitável, fácil, sereno. Podemos dar todas as provas do mundo de que não amamos uma pessoa e amamos outra, mas sabemos, lá dentro, quem é que está no controle. A verdade grita. Provoca febre, salta aos olhos, desenvolve úlceras. Nosso corpo é a casa da verdade, lá de dentro vêm todas as informações que passarão por uma triagem particular: algumas verdades a gente deixa sair, outras a gente aprisiona e finge esquecer. Mas há uma verdade única: ninguém tem dúvida sobre si mesmo. Podemos passar anos nos dedicando a um emprego sabendo que ele não nos trará recompensa emocional. Podemos conviver com uma pessoa mesmo sabendo que ela não merece confiança. Fazemos essas escolhas por serem mais sensatas ou práticas, mas nem sempre elas estão de acordo com os gritos de dentro, aquelas vozes que dizem: vá por este caminho, se preferir, mas você nasceu para o caminho oposto. Até mesmo a felicidade, tão propagada, pode ser uma opção contrária ao que intimamente desejamos. Você cumpre o ritual todinho, faz tudo como o esperado, e é feliz, puxa, como é feliz. E o grito lá dentro: mas você não queria ser feliz, queria viver! - Eu não sei se teria coragem de jogar tudo para o alto. Sabe. - Eu não sei por que sou assim. Sabe. * Enviado por Nédier, que também sabe... * Ecoando esse "Grito": cada um de nós contém todas as suas respostas... Publicado por Rosane Coelho em 07/02/2007 às 20h33
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