parto de palavras

rosane coelho

Meu Diário
14/09/2006 20h24
O QUE HÁ
(Álvaro de Campos)

O que há em mim é sobretudo cansaço —
Não disto nem daquilo,
Nem sequer de tudo ou de nada:
Cansaço assim mesmo, ele mesmo,
Cansaço.

A sutileza das sensações inúteis,
As paixões violentas por coisa nenhuma,
Os amores intensos por o suposto em alguém,
Essas coisas todas —
Essas e o que falta nelas eternamente —;
Tudo isso faz um cansaço,
Este cansaço,
Cansaço.

Há sem dúvida quem ame o infinito,
Há sem dúvida quem deseje o impossível,
Há sem dúvida quem não queira nada —
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
Porque eu amo infinitamente o finito,
Porque eu desejo impossivelmente o possível,
Porque quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
Ou até se não puder ser...

E o resultado?
Para eles a vida vivida ou sonhada,
Para eles o sonho sonhado ou vivido,
Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto...
Para mim só um grande, um profundo,
E, ah com que felicidade infecundo, cansaço,
Um supremíssimo cansaço,
Íssimo, íssimo, íssimo,
Cansaço...

* Texto e imagem do Baú da Nédier *

Ufa! Esse poema lindo, que acolheu o meu cansaço, remeteu-me a um conto que li ontem: "Omelete de Amoras", de Walter Benjamin. "Há sem dúvida quem ame o infinito, há sem dúvida quem deseje o impossível...". Tomar objeto de desejo como objeto de consumo é encharcar a vida de infelicidade, deixando-se invadir por um cansaço de frustrações. O meu cansaço é como o do poeta: um cansaço feliz e infecundo. P a s s a g e i r o .

Ah! O "Omelete de Amoras" qualquer dia transcrevo aqui. Quem chegar ao final da leitura não vai se arrepender...

Publicado por Rosane Coelho em 14/09/2006 às 20h24

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