parto de palavras

rosane coelho

Textos


             Reencontro com uma antiga emoção



          Não cultuo o passado. Não gosto de ver fotos antigas nem filmes de quando minhas filhas eram crianças. Também não gosto de reler bilhetes e cartas de amor, amizade, congratulações, solidariedade ou seja lá qual for o tema. Tudo foi muito importante no momento em que aconteceu. O que aconteceu forjou o hoje, o momento que eu vivo, as circunstâncias que me envolvem. O passado é importante como semente do presente.

          Inevitáveis, reconheço, certas associações. São cheiros, comidas, lugares, datas que nos remetem ao ido. Ido que não foi de vez, tanto que deixou lembranças.

          Pois é, toda essa teoria, construída durante os cinqüenta e um anos da minha vida, balançou hoje. Empreendi uma viagem no túnel do tempo, retornando uns trinta anos. Solteira, um copo de cerveja numa mão e um cigarro na outra, compartilhados com o meu pai. Era um tempo em que eu podia salvar o mundo. Era um tempo de emoções muito mais à flor da pele. Um tempo de chorar assistindo, pela televisão, a um show de Elis Regina. Divina Elis, vestindo uma calça verde e uma camiseta cor-de-rosa. Por cima, uma camisa branca aberta, com uma arara e uma pena pintadas. É a imagem que me ficou de Elis. Ah! Inesquecível, também, a lágrima borrando a maquiagem dos olhos ao cantar, chorando, “Atrás da Porta”. O cenário era o picadeiro de um circo.

          Hoje revi o show, inesperadamente. Comprei, na pré-venda, um DVD da dama, sem saber que era o da roupa de arara. Chorei, de novo, quando ela cantou ESSA MULHER. Sem me alongar, deixo a indicação: ELIS REGINA CARVALHO COSTA (série Grandes Nomes da TV Globo). A apoteose da deusa.

          Não fumo mais, não bebo mais. Elis overdosou.

          Ainda é possível chorar de emoção. Estamos vivos!
Rosane Coelho
Enviado por Rosane Coelho em 10/12/2005
Alterado em 26/12/2005


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